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quarta-feira, 27 de abril de 2011

A SAGA DE JEITOSINHA - CAPÍTULO XIX

CAPÍTULO XIX

Marilena acordou em sua cama, e sua primeira visão foi Aníbal, um dos filhos menos importantes, daqueles que só fazem figuração na trama.
- Anibal… Que sonho horrível… Pensei que seu pai…
- Não foi um sonho, mamãe. Ele voltou! A mulher gritou em total desespero:
- Não pode ser! Não pode ser!
O filho estranhou a reação. Alheio aos problemas que infernizavam a vida de Marilena, Adenair e Jeitosinha, sem saber que Ambrósio era a causa de muito sofrimento, esperava da mãe uma manifestação de alegria.
- Mãe… Você não entende? O papai voltou! Meio caidaço, é verdade, mas está vivo! Você deveria estar feliz! A mulher esboçou um sorriso forçado:
- Sim, meu amor. Claro. Foi só o susto. Claro que estou feliz.
Neste instante, já de banhozinho tomado e vestindo um velho e confortável pijama, Ambrósio entra no quarto.
- Marilena…
- ?? você mesmo, Ambrósio? – perguntou a mulher.
- Estou tão deformado assim? Claro que sou eu!
Ambrósio não tinha na voz a rispidez habitual. Parecia fragilizado. Sua fala era pastosa. Um canto da boca não se mexia e um fio permanente de baba escorria rumo ao pescoço.
- O que aconteceu com você?
- Não me lembro. Não consigo me lembrar de muita coisa. Vaguei pelas redondezas e aos poucos as memórias foram voltando… Nossa casa, você, nossos filhos…
- E sobre o acidente que o mutilou?
- Nada. Não me lembro de nada. Só vejo uma cena estranha… Assustadora e irreal. Não quero falar sobre isso.
Os olhos do homem transmitiam o pavor que lhe causava a simples menção da cena. E a imagem que vinha à sua cabeça era a do travesti, loiro e nu, empunhando uma serra elétrica.
No hospital público, Adenair acordava da anestesia.
- C-como foi a cirurgia, doutor? – perguntou ao homem de branco parado ao seu lado.
- Foi bem. Não consegui fazer um acabamento muito bom. Sabe como é, cirurgia plástica é uma coisa complicada… Mas eu mesmo já vi muita vagina mais feia por aí! He…He… – o médico amigo de Dona Nair insistia em seu humor infame.
- Meu pênis, doutor… O que vocês fizeram com ele? Mesmo detestando o que ele considerava um corpo estranho, Adenair sabia que era um pedaço seu que havia sido estirpado. E lhe assustava a idéia de que ele pudesse ter ido parar numa cesta de lixo hospitalar…
- Fizemos um transplante. Ele agora pertence a um marombeiro adepto do sexo bizarro, que perdeu o dele quando recebia carinhos orais de um pitt-bull…
- Melhor assim! – Animou-se Adenair – quando recebo alta?
- Amanhã, se tudo correr bem.
“Vai dar tudo certo”, pensou o – ou melhor – a jovem. “Vou virar uma linda mulher, como Jeitosinha, e conquistar o coração de Thiago!”
No seu apartamento, Thiago ainda olhava fixamente a arma. Sentia-se ultrajado, perdido, confuso e traído. Mas não conseguia evitar que a imagem de sua loira amada lhe viesse à cabeça. “Onde ela estará agora?”, perguntava-se.
Mal sabia ele que Jeitosinha, naquele momento, abria a porta de entrada de sua casa para estar frente a frente com o pai que matara!
Qual será a reação de Ambrósio?
Empolgante! Sensual! Nojenta! A sua novela continua amanhã, em mais um capítulo inédito.
Por trinta segundos, que pareceram uma eternidade, Jeitosinha e Ambrósio se encararam fixamente. Ela vinha aprendendo no bordel de Madame Mary tudo sobre a arte da dissimulação, e conseguiu camuflar o medo, a surpresa e a confusão mental que lhe causava a imagem, ali na sua frente, do homem que assassinara.
A expressão de Ambrósio era inocente, quase infantil. O fio de barba intermitente continuava a banhar-lhe o queixo. Com sua voz pastosa, após o constrangedor silêncio, ele perguntou:
- Quem é você?
Jeitosinha suspirou aliviada. Continuava sem entender o que havia acontecido. As marcas de cortes no rosto e braços de Ambrósio indicavam que ela realmente o havia ferido, mas talvez não tivesse consumado o crime, pensou. Talvez tenha sofrido alguma espécie de alucinação durante o ataque com a serra-elétrica. Talvez Ambrósio tenha conseguido sair da casa, se arrastando. Mesmo assim, quem limpara o chão e os móveis?
Nada disso era tão importante quanto o fato de que o pai, talvez pelo choque de ter sido vitimado pela própria filha, não conseguia reconhecê-la. “Deve ser algum tipo de defesa emocional”, concluiu.
Muito mais desconfortável com a situação estava Arlindo. Seu plano de explorar a irmã se esvaziara, em parte, com a reação do pai ao vê-la. Se Ambrósio não reconhecia Jeitosinha, e havia perdido sua índole opressora, o que a irmã teria a temer?
De fato, a moça não tinha mais nada a perder. Depois da decepção com seu amado Thiago, e todas as emoções que tomaram sua vida de assalto, o futuro se configurava diferente. Ela trocou olhares com Arlindo. Sorriu, superiora, e ele entendeu o recado.
Jeitosinha estava livre de sua influência maligna mas, curiosamente, não pensava em abandonar o bordel de Madame Mary.
A misteriosa mulher – que ela mal vira e que não poderia reconhecer sob a máscara – de alguma maneira fez com que recuperasse sua auto-estima. Na casa de encontros a aceitavam como ela era. E agora havia ainda Laura Croft, a linda ruiva que havia despertado estranhas emoções em Jeitosinha. Ela vinha, aliás, fazendo um esforço sobrehumano para esquecer Thiago, e tentava se apegar à emoção daquela tarde de prazer como se residisse ali a sua salvação.
Se Jeitosinha agora via o bordel como uma benção, isso não significava que ela perdoava Arlindo. Ao contrário, havia planejado para o irmão uma terrível vingança…
Quanto aos pais, o próprio destino havia se encarregado da punição. Ambrósio era agora um ser desprezível, débil e deformado. E sua mãe, que presa a suas convenções sociais jamais encararia a separação, estava condenada a aturar aquele ser repugnante pelo resto de suas vidas.
Jeitosinha estava imersa neste tipo de reflexão quando alguém bateu à porta. Arlindo foi atender e deparou-se com uma morena exuberante, de mais ou menos trinta anos. Ela tinha cabelos negros e lisos, à altura dos ombros. Os olhos de um azul cristalino contrastavam com a pele clara. Mostrando um distintivo ela se apresentou:
- Sou a detetive Vanessa, da Polícia Civil. Vim investigar o desaparecimento de Ambrósio.
Todos na casa, inclusive o próprio Ambrósio, trocaram olhares surpresos.
Do outro lado da cidade, o angustiado Thiago toma sua decisão. Virando a arma em direção à própria cabeça, ele finalmente aperta o gatilho.
Ele morreu? Ele morreu?
Descubra amanhã, em mais um capítulo inédito!

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